O silêncio do sábado

Sempre me pergunto o que acontece no dia seguinte ao término de uma grande aventura. Como seria o “felizes para sempre”, a volta da lua de mel das princesas e príncipes?
Na saga O Senhor dos Anéis, na última parte, após o personagem ter vivenciado todas as incríveis aventuras na terra Média, a volta à tranquilidade da vida cotidiana no Condado ficou pequena, vazia de significados...

Pior ainda é quando a aventura não termina bem, quando o herói não cumpriu a sua jornada e quando parece que toda a esperança falhou... mas a história tinha que continuar...

Nas aventuras da vida real também é necessário encarar o dia seguinte. O dia seguinte da festa de formatura, o dia seguinte do casamento dos sonhos, o dia seguinte da volta daquele intercâmbio incrível. E também dias seguintes mais terríveis e confusos... o dia seguinte da separação, o dia seguinte do anúncio de uma doença grave, o dia seguinte ao funeral de alguém querido.

Lembro bem do gosto amargo desse dia seguinte. Após meses indo todos os dias na UTI visitar minha mãe, num domingo de manhã, que ironia, o hospital liga para nos preparar para nos despedirmos dela. Liguei para minha irmã, que morava em outro estado, para parentes e amigos e fomos para o hospital.

Muitas pessoas apareceram, muitas mesmo, minha mãe era muito querida. A UTI foi aberta para as pessoas poderem dizer adeus. Eu fiquei ao lado dela até o último segundo, e ela partiu.

E para nós começou a correria, documentação, cemitério, velório, empresa funerária, mil ligações telefônicas para avisar para onde o corpo iria... noite de velório, enterro no dia seguinte. Foi uma cerimônia linda, repleta de amigos e parentes, o coral cantou, muitos abraços e palavras de conforto.
O corpo foi para o cemitério, foi enterrado e... acabou?

O dia seguinte é sempre o pior dia, porque não há mais nada a ser feito. Nem visita no hospital, nem papelada pra arrumar, nada, só o vazio.

Imagino que os discípulos e discípulas de Jesus tiveram sentimento semelhante. Talvez ainda mais devastador, pois o Messias, a esperança viva havia morrido diante dos olhos de todos, “como ovelha no matadouro”. Aquele em quem as pessoas tinham colocado toda esperança, que viram fazer grandes coisas, que ensinara tanto e havia feito tantas promessas, estava morto. Ponto final. Fim da história, numa sexta-feira.

Aquele sábado deve ter sido de um silêncio ensurdecedor. Não havia nada a dizer. Deus ficou em silêncio.

Na vida, especialmente em momentos de tristeza, dor e desespero, muitos vivenciam esse silêncio de Deus. Parece que nada mais faz sentido. Mesmo as experiência de fé, de solidariedade, de amizade que tivemos nos deram indícios da voz de Deus, parecem que foram a séculos.
O silêncio assusta. O silêncio incomoda.

Mas é somente no silêncio, mesmo no silêncio de Deus, que podemos ouvir a nós mesmos e saber o que ficou em nós das pessoas, situações e experiências vividas.

O silêncio nos ajuda a nos esvaziar das expectativas enganosas, das esperanças caducas, dos vícios da alma, e nos força a nos encarar e procurar mais fundo o significado das coisas.

O silêncio tem seu tempo, que sempre parece maior e mais pesado do que podemos suportar.

O silêncio do sábado termina nos primeiros raios de sol de um domingo de manhã, quando alguém nos pergunta: porque está procurando entre os mortos aquele que vive?

O dia seguinte da dor também tem seu dia seguinte, e outro, e outro e a vida renasce, ressurge, RESSUSCITA!

Se temos que passar pela dor do silencioso sábado, aguarde, espera um pouco mais, o domingo da ressurreição está chegando! ELE VIVE!

Feliz Páscoa!

Comentários

  1. Porque ELE vive
    Posso crer no amanhã
    E consigo passar pelo silêncio.


    Descobri seu blog hoje.
    Estou amando as leituras.

    Roger continue escrevendo, cantando e fotografando :)


    Marialice

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